Só quem ama os livros entende o charme do lugar


Paris: Shakespeare and Company ou Morre George Whitman



Foto: Milton Ribeiro
Publicado com profundos cortes pessoais e de ordem comportamental — feitos por mim mesmo — no Sul21 na última segunda-feira. Copio aqui só para acrescentar algumas fotos mesmo.
Num fim de semana onde os obituários estiveram cheios de celebridades — Christopher Hitchens, Cesária Évora, Sérgio Britto, o Santos, Joãosinho Trinta, Václav Havel, Kim Jong-il — a morte de George Whitman passou quase em branco. Whitman, dono da mítica livraria Shakespeare & Company, localizada na margem esquerda do Sena, em Paris, morreu aos 98 anos em seu apartamento. Ele sofrera um derrame em outubro, mas recusou-se a ficar no hospital, exigindo ser levado para casa, que fica no andar de cima da livraria.
Fazer uma referência a uma livraria de Paris que só vende romances e ensaios literários em inglês pode parecer produto do mais puro elitismo, mas não pensamos ser o caso.
A livraria foi aberta em 1951 e — além de ser um extraordinário sebo e livraria — serve de abrigo a escritores em início de carreira para que tenham teto e/ou trabalho até que terminem seus livros. Lá também ocorrem chás literários e encontros com autores, quaisquer autores.
Whitman nasceu nos Estados Unidos em 1913, Viveu parte da infância na China. Mudou-se para Paris em 1948. Segundo ele, na época, uma bicicleta e um gato eram suas únicas posses. Em 1951, abriu a livraria Le Mistral, rebatizando-a como Shakespeare & Company em 1964, em homenagem a Sylvia Beach, proprietária da Shakespeare & Company original, responsável, por exemplo, pela primeira edição de Ulisses, de James Joyce. Quando falecera, em 1962, Sylvia Beach deixara para Whitman os direitos de uso do nome e livros.

James_Joyce com Sylvia Beach na Shakespeare & Co original (Paris, 1920)

Uma das estantes da livraria que fazem referência a Sylvia Beach | Foto: Milton Ribeiro
Imediatamente famosa no meio literário, a loja virou ponto de encontro de escritores como Arthur Miller, James Baldwin, Samuel Beckett, Anaïs Nin, Lawrence Durrel, William Burroughs, Gregory Corso, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e rota turística para os apaixonados pela literatura. No andar de cima da livraria vivia não apenas Whitman e família, mas diversos candidatos a escritores. Reza a lenda que, desde 1964, lá dormiram mais de 40 mil pessoas diferentes entre os livros. O pagamento pela hospedagem era escrever, ler e varrer a livraria. Alguns também atendiam no balcão e na cozinha. Outra lenda diz que Whitman aconselhava a saída de autores que estavam lá há mais de ano…
Whitman viva de acordo com o lema retirado de um poema de W. B. Yeats e que está pintado numa das paredes internas — “Seja hospitaleiro com todos, alguns podem ser anjos disfarçados” (tradução livre). Durante o final de semana, velas, flores e romances foram depositados na porta da Shakespeare, fechada pelo luto. Bilhetes de homenagens foram colados com agradecimentos e elogios.

Hoje, há prateleiras em torno da citação | Foto: Blog Hipsters & Company
.oOo.
A Shakespeare and Company é o sonho do bibliófilo. Os livros — normalmente revelantes ou raros — podem ser vistos em toda parte: nas paredes, no meio da loja, nas escadas, em todo canto, sobrando pouco espaço para a circulação. Para completar, no espaço atulhado ainda há alguns locais com cadeiras e bancos para leitura. Também há um piano, sobre o qual pode ser lido um cartaz sugerindo que se toque apenas música erudita ou jazz. Os outros cartazes pedem para que os leitores nunca, jamais sejam perturbados, fato que faz com que o som da livraria seja um complicado contraponto de passos e sussurros. Na escada para o andar de cima, só uma pessoa passa de cada vez. Na verdade, a mais famosa livraria do mundo é apenas um pequeno caos onde se vende livros bem escolhidos, onde há cadeiras confortáveis e onde há a promessa de solidariedade. Nada de mega-ultra-hiper. O teto não é pintado há anos e é difícil imaginar como poderia sê-lo sem a retirada dos volumes. A atmosfera é tão acolhedora que o visitante tem a fantasia de que o conhecimento que está nos livros, sob alguma forma misteriosa, entra-lhe pelos poros quando está na livraria.
A livraria, que já era administrada pela filha de George, Sylvia Beach Whitman, seguirá ativa.
O que há bem na frente da Shakespeare? Ora, a Catedral de Notre Dame, mas, para alguns, há dúvidas sobre quem é mais catedral. Abaixo, mais fotos da livraria de Whitman:

A entrada principal | Foto: Claudia Antonini

A porta auxiliar da livraria | Foto: Claudia Antonini

O grande homenageado | Foto: Milton Ribeiro

Uma das vitrines que dá para a Catedral de Notre Dame | Foto: Claudia Antonini

O caos interno | Foto: Blog Hipsters & Company

Sylvia Beach Whitman e seu pai, George

Do lado direito, vê-se uma nesguinha de porta. É onde morava George Whitman no segundo andar da Shakespeare and Co. | Foto: Claudia Antonini

Eu estou fotografando a epígrafe de Daniel Martin, do grande John Fowles | Foto: Claudia Antonini

A epígrafe de Gramsci | Foto: Milton Ribeiro

A Claudia e o Dario dizem que os livros têm o poder de me deixar quieto. Sei lá, eu SOU quieto! | Foto: Claudia Antonini

A localização da Shakespeare em relação à capelinha medieval de Notre Dame | Foto experimental de Claudia Antonini

Comparar Notre Dame com a Shakespeare... Piada, né? | Foto: Claudia Antonini

Sylvia, a filha. 30 anos. Bonita, não?

Postado por Milton Ribeiro no Blog do Milton Ribeiro em 21/12/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário