Chorar vale mais que uma boa dose de tranquilizantes





Quando anoitece e a razão escurece, ascende clara a ferida. São dias em que a alma sente dor, uma dor tamanha que é impossível ignorar. Então a gente chora. Chora sim. 

A gente se socorre no choro, enquanto tenta fazer escorrer em lágrimas o que precisa sair, descer ou desfazer. O choro é chuva que varre a dor, é uma atrevida tentativa de fazer a tristeza fugir do olhar. Enquanto escorre, a lágrima faz curva na angústia, faz o instante condoer-se em dilúvio. 

Chorar é fazer as palavras caírem dos nossos olhos. É dizer o que, em certos momentos, se encontra indizível.

A gente chora também porque se despede, porque se lamenta, porque se comove, porque o filme era lindo. 

Choramingamos baixinho, dentro de um quarto em solidão ou por detrás de um abraço de despedida no aeroporto. Soluçamos pela lembrança que dói ou que alimenta. Ao reviver em memória o último beijo, o irrevogável tempo de infância, a conversa que não terminamos, o abraço sobrante no braço, a família que está longe, aquele que se foi. 

Choramos como pedido de ajuda ou como estratégia para sermos olhados — quando o mundo parece ocupado demais para prestar-nos atenção. 

Choramos porque nos sentimos sozinhos, quando todos se divertem em viver, e nós naquele instante, não.

Choramos de medo dos monstros que dormem em nossos quintais a nos assombrar. Choramos de raiva porque tudo deu errado naquele dia. Choramos por solidariedade ao mais fraco, por empatia ao que sofre. Porque nos reconhecemos nos olhos dos pedintes, esmolando além do pão, um trocado de misericórdia. 

Choramos porque amamos intensamente e desejamos ser amados, e nem sempre somos. Alguns choram em segredo, quando a única opção é ser forte. A alma plange, soluça na intimidade recolhida do escuro. É, existe dor que é sigilo. 

No entanto, existe choro que regozija, onde a alegria que não cabe mais por dentro há de sair pelo transbordamento.

De todo modo, choro é alívio pra alma. É a gente colocando a mão por dentro da garganta a desatar o nó. 

Shakespeare diria que chorar é diminuir a profundidade da dor. Acho mesmo que é dar a palavra ao que se encontra sem nome dentro de nós. 

O choro é a vertigem da palavra, ela entontece e fica trancada — escassa — e o sentimento só consegue sair em rio, quando a comporta se abre. E desce, escorregando na face, deixando na cara lavada a nossa humanidade.

Há quem diga que homem não chora. Ora, os homens não têm olhos e tempestades por dentro? E ainda ouvimos: Pare de chorar a-go-ra! Engole o choro! 

Pra mim, pranto engolido transmuta em fome demasiada, em angústia, em ferida, vira gastrite, vira enfermidade pra alma. Choro contido vira gelo, empedra as entranhas, nos enrijece enquanto criatura humana. Seca a gente por dentro, enxuga as nascentes dos rios que nos habitam. O pranto é um resto de mar que cura. 

Os que se retraem a chorar rasgam palavras, se livram de comunicar aquilo que o indizível não deu conta de representar. E por qual calçada vai descer essa torrente, já que não descai pelos olhos? 

Os que não choram se colocam mais perto de adoecer, por isso, chorar pode valer mais do que uma boa dose de tranquilizantes.

Se eu tiver que chorar, choro hoje, choro agora. E à vida digo, eu devo dizer: sim, eu vou lhe dar o enorme prazer de me ver chorar. 

Amanhã, bem cedinho, me costuro. E rio. Eu sei me navegar.



Ruth Borges



Postado no Bula






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