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Professora brasileira de escola pública pode ser eleita a nº 1 do mundo






ANA LUIZA BASILIO

“Nunca pensei ser capaz de fazer o que consigo hoje”, conta a estudante Ana Luiza Nonato, 13 anos. “Eu me orgulho muito de dois protótipos que criei. Um deles é o jogo Pacman em tabuleiro, a partir do uso de papelão, palito de churrasco, seringas, mangueiras e bolinha de gude. O outro, uma casa com iluminação led feita a partir de programação”, explica.

“Ela nos ensinou a dar novos usos para o lixo, que antes era descartado sem conhecimento. Antes do projeto eu não fazia ideia do que era reciclagem”, complementa Ana Luiza.

A adolescente fala de Débora Garofalo, professora que chegou à Escola Municipal de Ensino Fundamental Almirante Ary Parreiras, em 2013, e iniciou um projeto de robótica a partir do uso de sucata com todos os alunos da unidade. São cerca de 700 no Ensino Fundamental I e II.

Diagnóstico escolar

A iniciativa partiu de uma realidade vivenciada não só pela escola, mas por todo o entorno. A unidade fica localizada na comunidade do Alba, no bairro Cidade Leonor, zona sul de São Paulo. Os moradores tinham por hábito utilizar o córrego da região para fazer descarte irregular de lixo, ocasionado não só enchentes, como problemas de saúde para a população.

“Tomei conhecimento disso conversando com os estudantes”, conta a professora. Daí veio a ideia de iniciar o projeto. “Partimos de aulas públicas para sensibilizar não só os alunos, mas toda a comunidade sobre o problema do descarte irregular e a importância da sustentabilidade a partir do conceito dos 3Rs: reciclar, reutilizar e reduzir”, explica.

Depois disso, a docente e os estudantes começaram a traçar percursos para retirar o lixo reciclável das ruas, tanto sucata quanto eletrônicos e levá-los para dentro das salas de aula. “Começamos a estudar como aqueles materiais poderiam ser transformados com a associação à robótica”. Os alunos fazem uso de linguagem de programação para dar movimento aos seus protótipos, como máquinas e robôs.

Uma vez ao ano, eles também apresentam suas criações em uma feira de tecnologia realizada pela escola. “É o momento em que devolvemos à comunidade o que produzimos e as crianças e adolescentes podem oralizar suas criações”, garante a educadora.

Da escola para o mundo

O projeto extrapolou não só o ambiente escolar, como as fronteiras do País. Débora Garofalo está entre os dez melhores professores do mundo e concorre ao prêmio Global Teacher Prize, que premia com US$ 1 milhão práticas educacionais consideradas inovadoras e com potencial de aplicação em escala. O anúncio do vencedor será feito neste domingo 24, em Dubai.

A professora também é a primeira sul-americana entre os melhores do mundo. “É uma quebra de paradigma importante, pois ainda nutrimos no Brasil a ideia de que tecnologia é coisa para homem e isso decorre de uma desvalorização feminina e consequente desinteresse pela área”, reconhece. Ela também cita a questão da valorização docente: “Vemos muitos homens ganhando, mas a maioria das pessoas que atuam frente às salas de aula são mulheres”, coloca.

Antes mesmo do anúncio do prêmio, a escola Almirante Ary Parreiras já tem o que comemorar.

O coordenador pedagógico Luiz Fernando Machado conta que o envolvimento dos estudantes no projeto mudou a relação deles com a aprendizagem: “Muitos de nossos alunos apresentam problemas de aprendizagem, decorrente também de uma estrutura familiar frágil, que pouco se aproxima da escola. Mas vimos que, quando eles se tornaram autores, viram significado na escola e isso refletiu na melhora até das demais disciplinas”, coloca o educador.

O sentimento é partilhado por Débora. “Vi meninas participando ativamente, uma mudança de comportamento de alunos tidos como indisciplinados, com mais colaboração e empatia, sem contar o retorno à própria escola que virou ponto de reciclagem.”

Alguns números também embasam os resultados: “Recolhemos uma tonelada de materiais recicláveis das ruas, melhoramos a questão dos alagamentos na comunidade, o Ideb escolar passou de 4,2 para 5,2, além de reduzir a questão do trabalho infantil. Eu tinha 30 alunos nessa condição, e reduzimos a evasão em 93%”, afirma Garofalo.

Pela educação pública

Para a docente, concorrer ao prêmio é importante também para reafirmar a importância da educação pública. “Precisamos que toda a sociedade apoie a educação brasileira”, afirma.

Débora entende que colocar o Brasil entre os dez melhores trabalhos do mundo é também refletir sobre um caminho de mudança necessária. “Penso que é preciso introduzir a tecnologia como propulsora da aprendizagem e valorizar as práticas docentes que já são realizadas no chão da escola.”

A professora, no entanto, não descola a discussão do campo das políticas públicas. “Elas precisam dialogar mais com os professores, preverem mudanças na formação inicial e continuada para que os docentes estejam, de fato, preparados para a realidade da escola pública, além de prever a valorização da carreira”, elenca.

Isso se faz prioritário, sobretudo, em um cenário difícil para a educação: “Precisamos atacar de fato questões importantes para a melhoria da educação, como Alfabetização, rever o número de estudantes por sala, investir em tecnologia”. Para ela, muito do que está em pauta é “supérfluo”, caso do Escola sem Partido. “O caminho não é penalizar os professores ou ficar procurando formas de fazê-lo.”