Rifa-se um coração



Ricardo Labatt


Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista.

Um coração como poucos. Um coração à moda antiga.

Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.

Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, meio calejado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos e cultivar ilusões.

Um pouco inconsequente que nunca desiste de acreditar nas pessoas.

Um leviano e precipitado coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu... "não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu espero...".

Um idealista... Um verdadeiro sonhador...

Rifa-se um coração que nunca aprende. Que não endurece e mantém sempre viva a esperança de ser feliz, sendo simples e natural.

Um coração insensato que comanda o racional, sendo louco o suficiente para se apaixonar.

Um furioso suicida que vive procurando relações e emoções verdadeiras.

Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros. Esse coração que erra, briga, se expõe. 

Perde o juízo por completo em nome das causas e paixões. 

Sai do sério e, às vezes revê suas posições arrependido de palavras e gestos.

Este coração tantas vezes incompreendido. Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.

Rifa-se este desequilibrado emocional que abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.

Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.

Um órgão abestado, indicado apenas para quem quer viver intensamente e contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções.

Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário.

Um coração que quando parar de bater ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas:

"- O senhor pode conferir. Eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e, se recusa a envelhecer."

Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu dono. 

Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconsequente.

Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. Um simples coração humano. Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar.

Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e a ter a petulância de se aventurar como poeta.


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