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Conflito é coração da democracia, defende Marilena Chauí



“O núcleo da sociedade brasileira é um grupo oligárquico que não admite nenhuma contestação e que transforma o conflito na ideia de desordem, crise, perigo, de que é preciso repressão e um Estado forte” | Foto: Mariana Fontoura/CMPA
Vivian Virissimo
Aos 70 anos, a filósofa Marilena Chauí segue avaliando os rumos da política e as grandes transformações sociais e culturais em curso no Brasil e no mundo. Pelo seu diagnóstico, o coração da democracia brasileira está muito debilitado, uma vez que todas as formas de conflito são abafadas ou combatidas com a repressão do Estado, o que impede o avanço na garantia de direitos e no aprimoramento da própria democracia. “No Brasil, incessantemente, o conflito é transformado em crise e se joga a polícia e o Exército contra a população e os movimentos sociais.A única maneira de afirmar a legitimidade e a necessidade do conflito é mostrar que o mesmo é o coração da democracia”, falou Marilena ao Sul21.
Professora de Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP), Marilena é uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores (PT). Ela esteve em Porto Alegre para participar de conferência no Debates Capitais promovido pela Câmara de Vereadores nesta quarta-feira (7).
No entendimento de Marilena, sem mexer na estrutura da sociedade fica impossível compreender o verdadeiro sentido democrático do conflito. “O núcleo da sociedade brasileira é um grupo oligárquico que não admite nenhuma contestação e que transforma o conflito na ideia de desordem, crise, perigo, de que é preciso repressão e um Estado forte”, aponta.
Ao mesmo tempo, Marilena também destaca que a repressão do Estado é dirigida geralmente aos negros, aos pobres, aos índios, aos moradores de rua. “Eles são vistos como uma ameaça visível. Mas, sob essa ameaça visível, se esconde ideologicamente que qualquer forma organizada no interior da sociedade é perigosa. Qualquer grupo, classe, conjunto que se organize em termos sociais e políticos é visto como perigoso”, explica a filósofa.

Marilena Chauí: “Mexer na estrutura da sociedade brasileira é uma tarefa de todos. E o começo disso passa pela percepção de que existe uma violência estrutural, um autoritarismo" | Foto: Mariana Fontoura/CMPA
Outra face para comprender este processo se trata de um mito da não-violência que está arraigado na sociedade brasileira. Essa posição, segunda ela, enfraquece as possibilidades de mudança. “Se nós somos um alegre povo mestiço, verde e amarelo, sensual, ordeiro e pacífico… O que se faz? Esta tudo dado, tudo pronto”, critica Marilena.
Para ela, a garantia de direitos passa pela percepção de que o racismo, o sexismo e a homofobia são formas de violência que são naturalizadas pela maioria da sociedade brasileira. “Mexer na estrutura da sociedade brasileira é uma tarefa de todos. E o começo disso passa pela percepção de que existe uma violência estrutural, um autoritarismo. Se isso não for percebido, não temos como lutar”, fala Marilena.
“Há um campo aberto para a política”
Marilena também pontuou que o começo dessas transformações na estrutura da sociedade começaram com a constituição dos movimentos sociais no período de luta pela redemocratização do país. “Tem sido assim desde a década de 1970. Todos esses movimentos deram origem a formações partidárias e políticas que democratizaram o país. Não é porque o Brasil se democratizou que os movimentos se tornaram possíveis, é exatamente o contrário: porque os movimentos se organizaram, existiram e lutaram que eles tornaram possível a democratização do país”.
Diante das mudanças gerais ocorridas na sociedade brasileira, Marilena avalia que o refluxo dos grandes movimentos sociais servirá para a reposição de novas práticas políticas, sociais e culturais. “Há um campo aberto para a política que ainda não foi pensado e ainda não foi exercido. Mas isso não é um ou outro que vai pensar. É um coletivo que tem que pensar e refletir sobre isso”, avalia.
Nesse sentido, Marilena também apontou a necessidade de desvincular a política das formas clássicas de representação. “Quando a política fica restrita ao aparelho do Estado se perde a noção mesma da política que é a polis, a cidade organizada, a sociedade. Em vez de pensar que a política é uma ação coletiva no interior da própria sociedade, sob a forma de poderes e contra poderes, se pensa a política como uma esfera separada”.

Apesar de todas essas constatações, Marilena se mostrou uma pessoa otimista. “Eu só lamento que não vou ter tempo de vida para ver as mudanças profundas que vão acontecer não só no Brasil, mas em escala planetária. Uma mudança no saber, na ciência, na tecnologia que por enquanto ainda estão muito afogadas dentro da estrutura capitalista vigente, mas elas têm potencial de mudança e transformação muito grande”, aponta a filosofa.