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Estamos cada vez mais individualistas. E onde chegaremos ?














 

Estamos cada vez mais individualistas. E onde chegaremos ?














 

Ideias para valorizar a solidariedade e impedir que o individualismo competitivo determine nosso futuro



"Esse modelo ultraliberal, sem nenhuma mediação com o futuro do nosso planeta, sem dúvidas, provoca desarranjos nas relações intersubjetivas, estimula o pragmatismo sem limites. Prefiro estimular a solidariedade como base fundamental de organização dos humanos, com todos os seus significados", escreve João Antonio da Silva Filho.

João Antonio da Silva Filho

Não vejo a hora de poder olhar o futuro com normalidade. Na vida é assim: a negação de algo quase sempre é a afirmação de uma expectativa. E quando olhamos o nosso dia a dia de modo criterioso, notamos que os detalhes não podem ser desprezados. Pelo contrário, numa pesquisa séria e rigorosamente projetada, é a soma de detalhes que torna as conclusões mais precisas. Recomenda-se que tenhamos criteriosos olhares para nossa realidade, mesmo sabendo que tal postura exige esforços, pois, na falta de conhecimento aprofundado, nossa tendência é simplificar o complexo para facilitar o nosso viver.

No mundo atual as anormalidades têm ditado a dinâmica do convívio social. E quando se fala de anormalidades, o que salta aos olhos é a desgraça pandêmica causada pelo coronavírus. De fato, as consequências do vírus são um desafio que mobiliza energias, dinheiro e esforços concentrados de estruturas estatais, governos e sociedade. Não poderia ser diferente. Mas, para além da pandemia, outras anormalidades, quase todas por consequência da ação desarrazoada dos ambiciosos, campeiam sem freios, ameaçando o necessário equilíbrio estável nas relações humanas.

E por ser a vida o principal bem do planeta, preservá-la na sua inteireza é o desafio dos sapiens. Todavia, em seus incontroláveis desejos e no afã de impor o seu domínio, estes não conseguem, pela auto-organização, administrar suas ambições. Essa ganância desmedida embrutece as pessoas e faz da competitividade entre si um falso impulso desenvolvimentista e, com ele, amplia as chamas destrutivas da vida nesse nosso planeta azul. Não se trata aqui, de numa atitude conservadora – fazer o tempo parar. Impossível! Trata-se de estimular o equilíbrio das relações entre os humanos e destes com a natureza. Trata-se, portanto, de estimular as medidas necessárias para inibir o imediatismo ambicioso que corrói por dentro as formas horizontais e equânimes de organização das diversas comunidades políticas.

Dessa forma, importa fazer com que as atitudes do presente dialoguem com as necessidades das futuras gerações.

O segredo da China e Japão para o baixo número de mortes na pandemia de covid-19

 




O segredo da China e Japão para o baixo número de mortes na pandemia de covid-19

 




Humanidade artificial


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Erick Morais

A violência é sempre destrutiva. Seja de maneira física e concreta, seja de maneira simbólica, a violência cria atritos, traumas, isolamentos, destruição. Apesar dela ser corrosiva de qualquer modo, temos maior noção do seu poder quando há algo concreto que explode em nossos olhos. Afinal, a nossa cegueira cotidiana não nos permite enxergar além do meramente visível. No entanto, por mais que a violência seja destrutiva, ela não advém do nada. Há uma série de características que engendram a explosão da violência. Em nossos tempos, essa relação também acontece. E isso precisa ser dito.

A forma atual de organização do capitalismo – capitalismo financeiro – dentro de uma plataforma política neoliberal é produtora de um modo de vida extremamente violento, haja vista que a fragmentação da sociedade em corpos exclusivamente individuais, em ilhas afetivas, corrói as possibilidades de sustentação da vida social e de parâmetros democráticos para o Estado.

Em linhas gerais, ao mesmo tempo em que há uma precarização do mundo do trabalho, o que leva ao enfraquecimento do trabalhador e das formas de lutas contra o capital (como o esfacelamento dos sindicatos); há também o esvaziamento da política com a construção de uma lógica de vida pautada exclusivamente no sujeito individual e no atendimento de interesses privados. A esse binômio pode-se juntar um terceiro: o autoritarismo. O último elemento depende, todavia, de que haja uma potencialização dos dois primeiros, de maneira a tornar a vida social, econômica e política dos indivíduos extremamente pobres.

Como resposta ao quadro que se cria quando o mundo do trabalho e o mundo sócio-político se tornam demasiadamente frágeis, o capital não coloca como alternativa a revisão do próprio sistema que originou essas mazelas. Mas antes, a manutenção destas através do autoritarismo transvestido de solução definitiva para os problemas que a sociedade apresenta. Nesse prisma, as causas que levaram à sociedade ao colapso não são questionadas, já que há um salvador da pátria apontando o dedo para aquilo que, de fato, levou o corpo social ao estado que chegara.

Com alguém capaz de guiar a população, a resolução para os problemas sociais torna-se questão de tempo. Basta que o plano de governo seja cumprido, independente de, nesse processo, ocorrer a morte (real e simbólica) de inocentes, de pessoas que, sob um olhar crítico, não possuem responsabilidade alguma pelo estado de coisas que a sociedade se encontra. Entretanto, para que a ideia de um salvador da pátria se realize, as ideias que ele carrega precisam ser implementadas na íntegra, sem objeções.

Saindo do plano teórico (ainda que a exposição seja curta), não é possível compreender o fenômeno de ascensão da extrema-direita pelo mundo sem perceber que o autoritarismo é uma das facetas do capitalismo financeiro-neoliberal. E por uma razão óbvia: o modo de vida que tem se posto no mundo como hegemônico é extremamente violento e, portanto, destrutivo. Em outras palavras, leva à desumanização dos indivíduos; à destruição do planeta; e ao solapamento da democracia, já que os interesses do capital dominam as necessidades da sociedade.

Diante de um quadro terrível como esse, qual outra alternativa para manter o sistema, senão lançando mão do seu plano b, o autoritarismo? Mas não pela força física, e sim, por meio de atributos simbólicos – existentes em larga medida em mundo tecnológico e imagético – utilizados para o convencimento do sujeito de que o aprofundamento de um sistema opressivo e violento garantirá a sua libertação.

É como se abríssemos um livro de ficção científica ou assistíssemos a um clássico sci-fi. Porém, o mundo de “1984”, “Admirável Mundo Novo”, “Ensaio Sobre a Cegueira”, “Não Verás País Nenhum”, “Matrix”, “Blade Runner”… é o nosso. Aqui e agora. Sem uma segunda oportunidade sobre a terra. Ou acordamos e lutamos! Juntos, coletivamente. Ou a vida na terra está perdida, já que viver em um mundo desumanizado e permeado por violências (racismo, homofobia, misoginia, exclusão social, desigualdade, xenofobia, etnocentrismo, etc.) por todos os lados, parece-me, não ser vida. Senão, apenas a mera existência em um mundo de humanidade artificial.






Individualismo, a aceitação do outro e a condição humana





Rafael de Paula Aguiar Araújo

Tenho pensado um bocado sobre a forma como temos construído nossos projetos de vida e escolhido nossas ações. Uma série de ideias e algumas situações vividas recentemente me levaram a pensar essas coisas que gostaria de compartilhar aqui. Sempre tenho comigo que a rede social possa servir para levar uma nova perspectiva a alguém, quem sabe essas palavras não disparem reflexões?

Na semana passada, durante uma aula, conversávamos sobre dois conceitos de Max Weber, a ética da responsabilidade, que aponta para ações coletivistas, e a ética da convicção, que aponta para ações individualistas. E falávamos da forma como o universo tecnológico ampliou nosso isolamento. Ao mesmo tempo em que fiquei ruminando essas ideias, dando forma à relação que guardam entre si, olhava para os absurdos que estamos presenciando a nossa volta. 

A cada dia vemos exemplos de intolerância, que resultam de posicionamentos austeros, convictos. Será que esse movimento tem a ver apenas com o despreparo político, ou com enfrentamentos ideológicos, ou terá a ver com escolhas pessoais, que se voltam ao miúdo do dia a dia, aos nossos projetos e vontades?

Eu entendo que é muito importante tentarmos compreender como nossas ações, por inofensivas que pareçam, desencadeiam ações nos outros, de tal forma que da mesma maneira que um gesto de carinho resulta na felicidade de alguém, nossas atitudes contribuem, voluntária ou involuntariamente, para situações de injustiça. Aqui me refiro à desigualdade racial, de gênero, de classe e tantas outras assimetrias sociais que fingimos não nos dizer respeito.

Quando menciono o universo tecnológico não estou falando apenas da presença das máquinas, não se trata disso. É a produção de uma subjetividade nova, uma maneira de estar no mundo que conspira para o isolamento e para a velocidade, dentre outras coisas. Não temos mais tempo para depurar o impacto dessa aceleração. Tudo é feito para que não tenhamos disposição para pensar nessa nova realidade. A aceleração a que nos submetemos resulta em uma série de impactos, mas um essencial é a forma como ela nos impele ao individualismo.

Na verdade, com esse pensamento martelando minha cabeça, e vendo a intolerância das pessoas nas ruas e nas redes, me ocorreu que temos praticado uma imensa inversão de valores. Saímos de peito estufado enaltecendo o amor próprio. A importância de nos amarmos mais do que a qualquer outra pessoa. 

No trabalho, somos convidados a dar glória ao self made man, ao empreendedorismo de si. No debate político, somos prisioneiros de nossas opiniões, temos uma enorme dificuldade de aceitar uma ideia diferente a ponto de sequer arriscarmos pesquisá-la. Temos as verdades e estamos dispostos a defendê-las até a segunda página. A mesma dificuldade que temos de aceitar o outro, em suas diferenças culturais e étnicas, temos em aceitar suas ideias. Assim jamais construiremos consensos verdadeiros.

Na verdade, um projeto civilizatório não pode se sustentar com indivíduos. O que nos faz humanos é a relação que construímos com o outro. A política não nasce conosco, ela nasce entre nós. Quando um valor individual é colocado acima do coletivo, corremos o risco da intolerância e do autoritarismo. Basta dar uma olhada nas opiniões que circulam por aí, a visão que tem sido construída sobre os tantos fatos absurdos que temos vivido recentemente, para se ter a percepção de que estamos no caminho errado. Fizemos apostas erradas.

A condição humana está na relação com o outro necessariamente. Não há como escapar disso. Em todas as situações em que esse dado é desprezado o que temos é a ideologia operando silenciosamente, construindo valores mancos que nos fazem ser individualistas.

Não estou dizendo que não devemos ter amor próprio e cuidar de nós mesmos. O que estou dizendo é que se a essência do ser humano edifica-se na relação com o outro, não faz sentido que exista um amor próprio que ignore o outro.

Num mundo em que tudo conspira para que sejamos individualistas, para que tenhamos nossas metas pessoais e as persigamos, temos vergonha de precisar de ajuda e dificuldade de reconhecer a importância que o outro tem para nossa existência.

É irônico que a experiência de vida nos revele isso. Os mais velhos têm uma sabedoria sofrida, aprendida na carne, que eu mesmo só conheço aos pedaços ou através dos simulacros que os livros oferecem. Mas, talvez, a grande sabedoria que possamos tirar da vida seja compreender a importância de viver em função do outro. Ter alguém para cuidar e poder conhecer-se a cada vez, a cada movimento realizado, e ver no outro um espelho em que nos enxergamos.

Não acho que é uma experiência que se aprende através das fórmulas dos terapeutas, não é algo que se aprende com conselhos ou lendo textões na internet. É um saber que se faz na intersecção do agir com o pensar. Implica o esforço de olharmos para nós mesmos e aceitarmos nossos limites com o parâmetro que os outros nos oferecem. É uma experiência que se aprende, por exemplo, com um filho. Mas também com a amizade ou um amor sincero a alguém. Tomar a vida do outro como parte da sua e cuidar. Ao cuidar do outro, cuidamos de nós mesmos.

Esse cuidado aprendemos em nossas relações, mas de uma forma ou de outra essa aprendizagem, ou a ausência dela, também se mostra quando nos voltamos a ações coletivas e mais amplas. Se a palavra cultura vem de cuidado (colere), não será possível afirmar uma cultura individualista, ela nos faria objetos de um engenhoso sistema que o mundo do trabalho construiu. Ele nos percorre as veias e penetra nossa percepção a ponto de naturalizá-lo. Não há dignidade no trabalho de exploração, muito menos em tudo o que se constrói em torno desse universo.

A moda, o consumo, o lazer e a maior parte de nossos desejos são distrações de nós mesmos, mas há uma dificuldade imensa em nos retirar de um sistema tão totalitário, que é alimentado todos os dias pelos jornais, novelas e filmes. E, então, afirmar que a essência da existência humana deva estar na relação que cultivamos com o outro soa como algo romântico.

É importante que possamos viver uma ética de responsabilidade, ponderando as consequências de nossas ações para os outros, e não uma ética de convicção, quando nos conformamos em viver uma máxima qualquer. Como é possível que haja uma cartilha pronta para a vida, com a lista de experiências pelas quais devemos passar, se os sentidos devem ser construídos em conjunto?

Agir em nome de uma convicção é, de alguma forma, correr o risco de ser individualista. Simplesmente porque não há uma ação que não seja movimento e que não exerça influência no outro. Não sentir em nós a influência do outro é também uma maneira de recusarmos nossa humanidade. E para não assumirmos essa nossa limitação, entoamos convicções. De onde surgiram? Se foi da experiência, ótimo. Mas a experiência está cada vez mais rara, vivemos o mundo pela mediação da tela, pelas frases feitas e através de valores desvalorados.

Não aceitar que nossa vida deva ser em função do outro é viver em uma zona fronteiriça. Nesse limite, vivenciamos um problema que às vezes se nos mostra na forma da tristeza e da depressão, às vezes se esconde na forma da alienação. A rigor, trata-se de abrir mão da experiência gratificante do cuidado, do ser dois em um. Acho que o humano é isso. Demora a perceber, mas a verdade é que o universo simbólico que nos faz humanos é sempre alimentado pelo outro. Por isso é triste quando abrimos mão do outro pela máxima do amor próprio. Não porque não devemos nos amar, mas porque não percebemos que sem o outro nunca nos amaremos verdadeiramente.

Acho que pensar em nossas experiências pessoais pode dar materialidade a essa sensação. É um exercício importante que, me parece, devemos fazer sempre. Eu tenho pensado muito nisso ultimamente. O próximo passo é perceber que ao falarmos disso estamos também falando da política e da forma como organizamos nossas cidades, nossas relações sociais e nossas instituições.

Eu acho que os horrores que temos vivido recentemente, políticas desastrosas que aviltam direitos, gestos de ódio e intolerância, discursos carentes de pensamento, resultam de uma incapacidade de agir pela qual optamos. Nossa incapacidade de compreender o absurdo e de sentir a náusea nasce desse treino constante de olharmos para nós mesmos sem conseguir sentir em nós o papel exercido todos os dias pelo outro. E esse sentimento não é passivo. Não é algo que devemos aguardar sentir. Ele deve partir de nossa consciência e ser construído ativamente, sem preguiça, avaliando os benefícios de sermos humildes no reconhecimento de nossas carências.

Ao final da escritura desse texto me lembrei de um livro do Richard Sennett que gosto muito: Carne e Pedra. E lembrei-me de um trecho que transcrevo aqui: "Escamotear os problemas enfrentados pelos cidadãos de uma cidade multicultural revela um empecilho moral de inspirar sentimentos calorosos e espontâneos ao Outro. A simpatia corresponde ao entendimento de que as aflições exigem um lugar em que possam ser reconhecidas e onde suas origens transcendentes sejam visíveis. O sofrimento físico possui uma trajetória na experiência humana. Ele desorienta e torna o ser incompleto, derrota o desejo de arraigamento; aceitando-o, estamos prontos a assumir um corpo cívico, sensível às dores alheias, presentes, junto às nossas, na rua, finalmente suportáveis - mesmo que a diversidade do mundo dificulte explicações mútuas sobre quem somos e o que sentimos (...)".

Quando nos metemos a ler esses autores e a buscar compreender a sociedade e o que é a condição humana, inevitavelmente nos vemos nessa cilada. É libertador e angustiante ao mesmo tempo. Sennett nos diz a partir da experiência com a metrópole, e com todo aquele universo tecnológico a que me referi no início, que o sofrimento físico possui uma trajetória na experiência humana.

E é passando por essa experiência do sofrimento que podemos abrir os olhos e compreender o outro como parte do que somos. Isso até pode resultar em uma sincera devoção fraterna, tão importante em uma sociedade desigual como a que construímos.

Mas me parece importante, antes de qualquer gesto, que possamos compreender que não é possível cuidar de si sem o cuidado com o outro. É nesse entregar-se que reside nossa humanidade e é a partir dela que podemos concretizar nosso civismo e frear o individualismo.



Rafael de Paula Aguiar Araújo tem doutorado em ciências sociais e pós-doutorado em ciências da comunicação, docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e da PUC-SP, pesquisador do Núcleo de Estudos e Arte Mídia e Política






Refletindo : Você está perdido no mundo?



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O inverso do amor, mais que o ódio, é a indiferença




Marcel Camargo

Muito se alerta, hoje, para a necessidade de se combater o ódio, no sentido de que o mundo carece de mais amor, de solidariedade, de olhares compreensivos em relação aos excluídos, aos miseráveis, às minorias. Atos terroristas e, numa proporção menor, atitudes preconceituosas e excludentes no cotidiano das sociedades acabam culminando em violência e tristeza.

No entanto, há que se atentar, da mesma forma, para os danos que a indiferença também traz, tanto no aspecto das relações humanas, quanto no âmbito da convivência como um todo. Embora silenciosamente, o “tanto faz” acaba por se tronar conivente com a ruína das relações interpessoais, com a propagação do ódio e das injustiças que permeiam o tecido social em todos os níveis.

O ódio enfrenta muitas frentes de combate, seja através de preceitos religiosos, de artigos, de campanhas solidárias, seja na escola, em casa, na rua. Frequentemente nos deparamos com filmes, reportagens e músicas, por exemplo, que pregam a necessidade de se prevalecer o amor sobre o ódio. A maioria de nós, inclusive, já extinguiu a expressão “eu odeio” de nosso vocabulário.

Por outro lado, a indiferença raramente é lembrada, mesmo que seja uma das piores atitudes que poderemos ter em relação ao que de ruim nos circunda. Obviamente, sermos indiferentes a quem nos queira atazanar, a quem fofoca, a quem tenta nos maldizer é extremamente benéfico à nossa saúde física e mental. Porém, sermos indiferentes às mazelas que assolam o meio em que vivemos é tão nocivo quanto o ódio.

Da mesma forma, tornarmos invisíveis as pessoas que caminham ao nosso lado, que sempre acreditaram em nós, com devoção sincera e amor de verdade, é por demais cruel, pois a ingratidão afasta de nós exatamente quem deveria caminhar junto, sempre, todos os dias de nossas vidas. Assim, o “tanto faz” nos esvaziará de amor, tanto daquele que brota aqui dentro, quanto daquele que colhemos junto a quem nos quer bem.

O perigo da indiferença, portanto, é fazer com que aquilo que deveria causar revolta, indignação e atitude combativa se torne banal, normal. Além disso, deixar de retornar afetividade a quem nos ama fará com que expulsemos de nossa convivência aqueles capazes de tornar nossa vida melhor e mais digna. A indiferença nos torna imunes à indignação frente ao que deve ser mudado e às trocas de afetividade, à partilha amorosa que tranquiliza a nossa alma.

O ódio pode até ser combatido, alcançado e neutralizado pelo amor, mas a indiferença é por demais vazia, inócua e sem peso, ou seja, nunca chegará a ser tocada pela magnitude curativa de qualquer sentimento amoroso. O amor não chegará perto desse vazio. E isso é o mais perigoso, porque o “tanto faz” é silencioso e silencia as nossas maiores qualidades, dentre elas, a nossa capacidade de compartilhar amor verdadeiro.



Postado em Conti Outra



A crise de valores atuais é uma ilusão de ótica


Recebo muitos e-mails de pessoas que me estimula a escrever sobre a terrível crise de valores da atualidade.
Não escrevo.
Por uma razão: ela não existe da maneira como as pessoas acreditam que sim.
Resolvi publicar aqui um fragmento de belo livro “Metaforfoses da cultura liberal”, de Gilles Lipovestsky (Sulina), sobre o assunto.
É uma pedrada nos clichês sobre o fim da moral e o vale-tudo contemporâneo.
“Se o individualismo significava a paixão exclusiva pelo dinheiro e auto-absorção em si mesmo, como explicar essa aspiração à ética, à transparência? Como explicar que seres voltados para si possam ainda se indignar e demonstrar generosidade?
Não é verdade que o mundo neo-individualista seja equivalente de cinismo generalizado, de irresponsabilidade, de decadência geral dos valores. Dizem-nos: “Não resta nada”. Mas, ao mesmo tempo, nunca houve tanta preocupação com a proteção dos direitos da pessoa, por exemplo, nas organizações antirracistas, nem tanto cuidado com as crianças (veja-se a repercussão da questão da pedofilia).
O culto do presente domina, mas a preocupação com as futuras gerações não desaparece, como testemunha a sensibilidade ecológica. Apesar da cultura neo-individualista, os indivíduos continuam a exprimir indignação diante do que lhes parece escandaloso. As reações de indignação permanecem vivas: é a prova de que o senso moral não se extinguiu.
É verdade que a cultura do sacrifício, da devoção e da culpabilidade está deslegitimada, mas, ao mesmo tempo, o individualismo não significa o naufrágio do espírito de responsabilidade e de solidariedade. O fenômeno do voluntarismo é uma prova disso.
No momento em que os valores individualistas triunfam, o voluntariado, na França, ao menos, cresce. Há mais voluntários para ações humanitárias hoje que nos anos 1960. Existem, na França, seis milhões de voluntários e uma pessoa em cada quatro declara prestar trabalho voluntário. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, de 40 a 50% dos adultos participam de ações de voluntariado.
O apogeu do individualismo pós-moralista coincide, certamente, com a ascensão dos “prazeres privados” e das preocupações lancinantes do eu, mas, paradoxalmente, em paralelo com a vontade de ajuda mútua, sem obrigações, sem coerção, livremente, sem exigência de regularidade e disciplina.
Segunda observação: não se deve exagerar a ideia de que tenderíamos para o “relativismo dos valores”. O diagnóstico feito por Allan Bloom precisa ser nuançado. Não é verdade que não tenhamos mais uma visão comum, que todos os sistemas de valores sejam percebidos como equivalentes, que não sejamos mais capazes de falar com a menor convicção do bem e do mal. Basta ver a crueldade, a tortura, a escravidão, a pedofilia, o terrorismo, as violências físicas.
Todos esses comportamentos são radicalmente, em massa, rejeitados, até mesmo diabolizados. A ideia do mal não se evaporou na “aceitação de tudo”, na “grande abertura do espírito democrático”. Continua a existir um absoluto moral.
Quem hoje legitima a escravidão e as violências contra as crianças? Ou as excisões sexuais das meninas africanas?
Quem justifica a ordem de morte lançada contra Salman Rushdie? Ninguém. Ou quase. É evidente que nem todos os nossos referenciais morais desapareceram. Nossas sociedades não param de reafirmar um núcleo estável de valores partilhados. Não estamos no grau zero da moral: a fragmentação individualista dos valores e o relativismo pós-moderno têm limites.
Na realidade, vemos recompor-se uma forte consenso social em torno dos valores de base das nossas democracias: os Direitos do Homem, o respeito às liberdades e à individualidade, a tolerância, o pluralismo. A cultura individualista liberal é muito menos relativista e menos desorientada do que se diz.
Parece-me que houve, em outras épocas, uma crise de valores, pois a expressão consagrou-se, muito mais forte que a de hoje, especialmente na primeira metade do século XX. A democracia liberal foi então violentamente combatida pelas correntes marxistas; o humanismo dos Direitos do Homem, depreciado em nome do primado da luta de classes; os valores democráticos, pisoteados pelas correntes fascistas e nazistas.
Essa época passou.
Assistimos ao consenso dos Direitos do Homem, o que atenua, certamente, a dimensão da dita crise moral das nossas sociedades. A cultura pós-moralista não conclama mais os cidadãos a morrer pela pátria, mas, ao mesmo tempo, nunca a democracia teve uma aprovação tão profunda e geral. Tal é o paradoxo disso que chamo de “caos organizador”, típico da era pós-moralista.
Por tudo, a desestabilização individualista desenvolve-se tendo como fundo um tronco comum de valores mínimos e faz-se acompanhar de novas exigências éticas.
Acreditarmos que a intolerância só aumenta é, em parte, uma ilusão de ótica.
Quando reina o culto do ego, os valores de tolerância progridem; quando desaparecem as grandes obrigações e as ideologias heróicas, triunfa o ideal do respeito às diferenças e dos Direitos do Homem; quando os indivíduos voltam-se, cada vez mais, para si mesmos é que manifestam a maior alergia à violência sanguinária.
O pós-dever não significa o recuo do humanismo, mas a sua consagração social e histórica.
A própria expressão crise social é adequada? Podemos sustentar, de fato, que o pluralismo dos valores é a marca justamente de uma sociedade democrática liberal, de uma sociedade liberada do peso da tradição e da religião institucional.
Penso que não se deve deplorar nem combater esse pluralismo de doutrinas morais pois ele é a própria condição de um Estado liberal. Um Estado é liberal quando se organiza de tal maneira que seja respeitado o pluralismo das concepções do bem moral (Rawls). Para que as sociedades liberais se mantenham, não é necessário que todos partilhemos os mesmos valores, mas somente que sejam aceitos os valores mínimos da democracia e que o ethos prático da tolerância domine.
Numa democracia liberal, não está em jogo a regeneração moral dos cidadãos, mas somente a valorização das virtudes políticas necessárias à conservação de uma sociedade pluralista: tolerância, respeito mútuo, civilidade, espírito de cooperação.
(…)
Se é absurdo afirmar que não há mais moral, é bem verdade que percebemos uma fragmentação da moral e dos sistemas de valor. Testemunhamos uma inegável diversificação das concepções do bem. Esse “politeísmo de valores” nada tem de misterioso e faz parte da dinâmica da modernidade democrática confirmando a autonomia do indivíduo.
Com o recuo moderno das tradições, cada um passou a ter de determinar-se, de inventar a sua moral, como dizia Sartre.
Essa diversificação dos sistemas e essa individualização da moral podem ser vistas no tratamento das questões do aborto, do consumo de drogas, da pena de morte, da eutanásia, do casamento de homossexuais, das técnicas de fertilização com ajuda médica. Sobre todos esses pontos existem divergências entre os cidadãos. Separações maiores se impõem com o crescimento das seitas. Nas sociedades, há pluralidade moral, não niilismo moral.
Terceira observação. Os paradoxos da época pós-moralista não param aí.
De um lado, é verdade, nossas sociedades endeusam o prazer, a sexualidade, a satisfação do desejo, etc.
Por outro lado, contudo, elas são tudo menos sociedades entregues à orgia ou à anarquias sexuais.
Que vemos?
Nas últimas pesquisas francesas, os homens com mais de 25 anos declaram ter tido uma média entre 12 e 14 parceiras sexuais na vida; as mulheres, entre dois e cinco parceiros. Na média, nos doze meses anteriores, homens e mulheres confessam um só parceiro sexual. Estamos, portanto, muito longe da promiscuidade e da indisciplina sexuais. A superação da cultura moralista e do sacrifício, assim como a espiral dos direitos a uma vida livre, não conduz, como se diz em demasia, à decadência de todos os valores nem ao vale-tudo libidinal. Na realidade, a vida sexual continua a se dar dentro de limites precisos.
(…)
Precisamos voltar à questão central do individualismo. Por um lado, existe um declive, inegavelmente perigoso, que leva do individualismo ao “cada um por si”, ao culto do sucesso pessoal por qualquer meio, à negação dos valores morais, à delinquência. Todos esses fenômenos se vinculam ao que chamo de “individualismo irresponsável”, equivalente ao niilismo, ao “depois de mim, o dilúvio”. A cultura pós-moderna e pós-moralista, com sua valorização do dinheiro e da liberdade individual, estimula o movimento na direção do “primeiro eu”, na medida em que dissolve a força dos mandamentos éticos inflexíveis, a força das instâncias tradicionais da socialização. Essa cultura individualista cria um terreno mais permissivo à ultrapassagem das barreiras morais e tende a relativizar, banalizar e desculpabilizar certas fraudes. Isso parece evidente.
Mas não se destaca suficientemente uma outra inclinação do individualismo que coincide justamente com uma demanda e uma preocupação éticas. É o que chamo de individualismo responsável. Já dei alguns exemplos: a tolerância, a ecologia, o respeito pelas crianças, a exigência de limites, o voluntariado, a luta contra a corrupção, as comissões de ética.
Por toda parte, o individualismo, na cultura pós-sacrificial, desenvolve-se tomando duas formas radicalmente opostas: por um lado, aumento da busca dos limites legítimos a fixar à liberdade de cada um; por outro lado, aumento do esquecimento ou da negação do direito dos outros. As sociedades pós-moralistas produzem mais individualismo responsável, mas também mais individualismo irresponsável, mais autonomia razoável, mas também mais autonomia descontrolada e sem regras.
Nesse contexto, o que faz sentido hoje, não são mais os grandes projetos nem os grandes sacrifícios, mas o ideal de responsabilização humana, a ambição de fazer retroceder o individualismo irresponsável."

 Postado no blog Juremir Machado da Silva no site Correio do Povo em 01/05/2012